A história do Rapé e da Coruja

by Nandan   

A história do rapé e da coruja conta que há muito tempo atrás, havia nas florestas brasileiras um jovem caçador que estava aprendendo a entrar na mata e acertar com suas primeiras flechas seus primeiros alvos, o que lhe parecia uma tarefa impossível de ser realizada.

Ele se frustrava profundamente e se amedrontava com a possibilidade de nunca na vida aprender a caçar.

“Eu nunca vou conseguir fazer isso.”

Reclamava.

“Eu mal consigo acertar um porco, eu mal consigo acertar um pássaro. Eu deveria desistir de caçar.”

De fato, o jovem caçador era péssimo em seu ofício.

Entrava na mata, enxergava seus alvos, e na pressa de alvejá-los com as flechas fazia o maior estardalhaço no matagal.

Pisava com pés duros, agitando as folhas, tropeçava nas raízes das árvores, respirava forte, arfando de ansiedade diante do esforço hercúleo que lhe parecia caçar.

Os animais conseguiam percebê-lo a metros de distância, e corriam dele assim que se aproximava.

Quanto mais tentava caçar, mais a caça lhe escapava aos dedos. E ele se frustrava.

“Eu sou um péssimo caçador. Como eu faço pra aprender a caçar?”

Um dia, o jovem caçador decidiu pedir ajuda ao espírito ancestral do rapé.

Compromissado, pediu um sopro ao pajé e perguntou:

“Pai Rapé, Pai Rapé, venha me aconselhar: Porque é para mim tão difícil caçar?”

A medicina ficou em silêncio durante um bom tempo, enquanto o jovem caçador encontrava a calma dentro de si.

E então, ele ouviu um sussurro dentro de seu coração:

“Levanta e se põe de pé, pega seu arco e suas flechas. Vamos para a mata aprender a caçar.”

O jovem se alegrou com o que tinha ouvido, e ansioso com a expectativa de aprender a caçar, se levantou rapidamente, pegou seus instrumentos e se embrenhou na densa floresta.

Ao se aproximar, ele enxergou um pássaro, e logo, empolgado, decidiu seu arco apontar.

O pássaro lhe olhou surpreso, mas demorou um tempo para decidir voar.

Nesse momento, a força do rapé começou a subir.

O rapaz ficou tonto, e sua visão começou a escurecer e turvar.

Já não via mais nada naquele momento e só podia se perguntar:

“Já não consigo caçar com os olhos. Que sentido eu vou usar?”

Sem conseguir usar os olhos. O caçador precisou se acalmar.

“Ainda tenho meus ouvidos para escutar.”

Então parou, silencioso, tentando ouvir o barulho da floresta. Ouviu o vento, o farfalhar das folhas, ouviu as pisadas rápidas dos pequenos animais, e o barulho das asas em vôo dos pássaros ao redor. Ouviu um sussurro em seu coração:

“Confiando em seus ouvidos, quero que perceba. O pássaro que quer caçar está à direita ou à esquerda?”

“À direita!”

Respondeu. E apontou o arco rápido pra ouvir que apenas o tronco de árvore conseguiu acertar.

Nesse momento, a força do rapé decidiu subir. O rapaz ficou tonto e com a visão já turva sentiu o sentido de sua audição falhar. Tudo o que conseguia ouvir era um baralho agudo surgir, algo como:

Pi… Pi… Piiiiiiiiiiiii…

Frustrado, o jovem caçador exclamou:

“Já não consigo caçar com os ouvidos!!! Que sentido eu vou usar?”

Decidiu apurar seu olfato, mas as narinas estavam cobertas de pó. Não conseguia diferenciar o cheiro de terra, de animal, de flor ou de cipó.

Então decidiu confiar no único sentido que lhe sobrara: O Tato.

Parou e ficou quieto, tentando se acalmar. Sentiu o vento no rosto, no peito, seus ombros acariciar.

Naquele estado, parado ele começou a se mover.

Lentamente, sentindo cada folha nos pés.

Sutilmente, sentindo o arco em suas mãos, os galhos.

Conseguia sentir até as árvores quando chegava perto.

Ele já conseguia desviar.

Silencioso.

Um com a floresta.

Já não estava brigando com a mata como antes, já não estava ansioso para invadi-la e dela roubar.

Ele, sem perceber, passara a se mover bem devagar.

E foi andando dessa forma, como pura sombra na mata. Imperceptível por som, e agora, nenhum dos animais se assustava.

Andando mata adentro, ele sentiu seu coração chamar:

“Abra os olhos e veja o que tenho para te ensinar.”

Abrindo os olhos, a primeira coisa que viu foi a Coruja! Parada! Imóvel! Cabeça centrada! Nem os seus olhos ela parecia agitar.

Curioso, ele decidiu descobrir o que a coruja estava a espreitar. Moveu os olhos alguns metros à frente.

Coruja parada, caçador parado, mas lá estava um agitado preá. E ele se movia pra cá, pra lá e acolá, mas sempre voltava para o mesmo lugar.

20 minutos ficara a coruja a observar. Imóvel, observando o preá ir pra cá, pra lá e acolá, mas sempre voltando para o mesmo lugar.

“Existe um padrão nesse movimento…”

O jovem caçador refletiu, atento.

E logo que pensou nisso, a coruja se moveu. Rápida como um raio, mais ágil que a vista, logo o preá com suas garras rendeu.

“Ela o pegou!!!”

Ele disse, ainda mais surpreso.

“Tanto tempo de paciência e observação ela empreendeu…”

O jovem caçador enfim aprendeu.

No dia seguinte, ele entrou de novo na mata. Já não fazia barulho, em nenhum galho tropeçava. E atrás de um arbusto se escondeu, e ficou muito tempo a observar.

Os pássaros se moviam em ciclos: Voavam pra cá, pra lá e acolá, mas sempre voltavam para o mesmo lugar. Os insetos andavam pra cá, pra lá e acolá, mas sempre voltavam para o mesmo lugar.

“Existe um padrão nesse movimento.”

Ele compreendeu.

E lentamente apontou seu arco. Um pássaro se moveu pra direita, mas ele apontou o arco para a esquerda, sabendo que para a esquerda ele havia de voltar.

O pássaro foi pra cá, foi pra lá e acolá, e quando ia voltando para o mesmo lugar o jovem caçador o dedo do arco desprendeu para observar alegre o pássaro parar suspenso no ar, e cair leve na cama de folhas do lugar.

O Jovem caçador sorriu, aliviado e alegre. Este foi o dia em que aprendera a caçar.

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